A história da África é tão rica e apaixonante que somente livros não conseguiriam retratá-la.
Motivados pela a falta de mídias que demonstrassem a verdadeira identidade de seu povo, produtores, escritores e cineastas decidiram fazer da produção cinematográfica o registro histórico do continente.
Como a França proibia a idealização de filmes por suas colônias, o jeito foi abrir passagem partindo de Paris para o mundo.
Sob a direção de Paulin Soumanou Vieyra, em 1955 um grupo de estudantes africanos do IDHEC (Institut Des Hautes Études Cinématographiques) produziu L’Afrique sur Seine. O curta fala sobre as saudades que os estudantes sentem da sua terra natal e é considerado o marco inicial do cinema.
Definido como anticolonialista e auto representativo, o cinema africano antes da independência produziu As Estátuas Também Morrem de Chris Marker e Alain Resnais, sobre um assalto de arte africana, que foi censurado na França por dez anos, e Afrique 50 de René Vauthier, sobre revoltas na Costa do Marfim e em Burkina Faso.
O senegalês Ousmane Sembène, chamado “o pai do cinema africano” atingiu reconhecimento internacional com La Noire De... de 1966 que retrata a vida cotidiana e sofrida de uma mulher africana vivendo como doméstica na França, tema aliás atualíssimo, visto que infelizmente pouca coisa mudou no mundo quanto ao racismo e o preconceito. Completam a trinca de filmes desse período e com tema racial Solei Ô de Med Hondo filmado em 1969 e a comédia Touki-Bouki de Djibril Diop Mambéty rodado em 1973.
Os anos 70 deram um novo folego ao mercado cinematográfico africano, revelando grandes obras como Z de Constantin Costa-Gravas vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1970, Chronique des années de braise de Mohammed Lakhdar-Hamina contemplado com a Palma de Ouro em Cannes em 1975, ambos da Argélia. E La Victoire en Chantant, obra de Jean-Jacques Annaud da Costa do Marfim e ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1977.
Alguns críticos reconhecem a década de 80 como a ocidentalização do cinema africano, mas não menos ativistas. Os Deuses Devem Estar Loucos é um dos filmes que mais me encantam desde criança, tendo assistido diversas vezes e até recentemente. Como não ser cativado com a história de Xixo, um simplório aldeão bosquímano do Kalahari que vive em harmonia com sua tribo desconhecendo qualquer realidade que não a sua e recebe de “presente” dos Deuses uma garrafa de Coca-Cola que desperta os lados negativos do seu cotidiano. O filme de 1980 foi escrito e dirigido por Jamie Uys obteve tanto sucesso que rendeu uma sequência.
O cinema africano também deixou sua marca nos anos 90 com Quartier Mozart, de Jean-Pierre Bekolo de 1992, Guimba, feito em 1995 por Sheik Oumar Sissokoor e Po di Sangui, produção de Flora Gomes da Guiné Bissau em 1996, seus temas são mesclas de contemporaneidade e tradição.
Nossa viagem nos leva ao novo milênio onde encontramos produções com temas modernos e cotidianos como O Grande Kilapy, do angolano Zezé Gamboa que retrata a corrupção na cúpula do Banco Nacional Angolano com os desvios de verbas praticados por Joãozinho, personagem vivido por Lázaro Ramos. Um Homem que Grita, de Mahamat-Saleh Haroun demonstra o declínio social de um ex campeão de natação com 60 anos que acaba seus dias como guardião de uma piscina em um hotel luxuoso de Chade, um drama envolvente e emocionante. Cairo 678, de Mohamed Diab, que narra a realidade de três mulheres que convivem com o assédio e a violência sexual em vários níveis da sociedade. Ou ainda o suspense sul áfrico Layla Foueri, de Pia Marais, que confesso, é surpreendente.
Completando nosso passeio pelo incrível mundo cinematográfico africano, não poderia deixar de fora a animação sul africana Khumba, que conta como é difícil a vida de uma zebrinha muito fofa que sofre preconceito por ter listras em só metade do seu corpo.
E claro que o cinema africano também explorou a minha paixão, SUPER HERÓIS!
Oya rise of the Orixas, do diretor nigeriano Nosa Igbinedion fundamentou-se em uma lenda iorubá para a criação do curta.
De acordo com a religião Iorubá (povo originário da Nigéria, a que pertenciam muitos dos negros do Brasil) os Orixás são divindades com poderes, responsabilidades e dons específicos. A reverência a eles torna-os mais superiores e poderosos.
Há séculos o portal entre o mundo dos mortais e o dos Orixás permaneceu fechada, até agora. O herói Ade, é um dos poucos com conexão com um dos Orixás, a deusa Oyá. Ela tem o trabalho de proteger os inocentes que tentam atingir o portal entre os mundos. Ade deve buscar a chave entre os mundos e batalhar contra as hordas de deuses antigos que querem invadir o mundo dos Orixás.
A filmografia do continente africano é tão rica que seria impossível listar e dar devido destaque a todos.
Espero que os tenha motivado a embarcar nessa fantástica fábrica do cinema, com certeza vale o bilhete.