Cozinha da Senzala

“A gastronomia é uma linguagem para expressar nossa cultura”.

A frase é de Joan Roca, chef espanhol do El Celler de Can Roca, eleito em 2013, restaurante numero 1 do mundo pela revista britânica Restaurant.

É fato que um dos traços mais facilmente notáveis da cultura de certo lugar são as características da sua culinária. Quanto a nós, brasileiros, dentre uma vasta gama de origens das mais variadas, devemos grandes traços da nossa gastronomia e de nossa cultura à África.

A história do povo português e da escravidão do povo africano teve inicio em meados do século XV quando os ventos levaram os barcos lusitanos à costa africana. A escravidão já existia na África e, aos poucos, os portugueses foram conquistando a confiança dos chefes tribais e acabaram por inserir-se no tráfico negreiro. No Brasil, a inserção de escravos negros nas lavouras de cana-de-açúcar se deu em 1532 e em pouco tempo tornaram-se a maior força de trabalho usada na colônia.

“A Bahia lembra a África”

De fato, a Bahia é o estado onde vive o maior número de afrodescendentes do Brasil. E esta máxima se repete por todo o Nordeste brasileiro, principalmente no Recôncavo Baiano, região ao redor da Baía de Todos os Santos. Durante os mais de 300 anos de escravidão no Brasil, esta foi a região para onde a maior parte dos negros africanos eram impiedosamente enviados, de modo geral, para trabalhar em áreas ligadas à agricultura de exportação, como a cana-de-açúcar.

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Desde o século XVIII a participação dos povos africanos na cozinha foi ganhando espaço na dieta do brasileiro. Isto porque por este período os “escravos-de-ganho” já vendiam nas ruas da Bahia seus quitutes a fim de “engordar o porquinho” do seu senhor. Foi assim que os vatapás, abarás e acarajés passaram a figurar, como figuram até hoje, duzentos anos depois, nas ruas da Bahia e por outras cidades do Brasil. O acarajé tornou-se, por sua importância cultural, patrimônio imaterial nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. (Iphan)

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A influência dos povos africanos na culinária brasileira deixou fortes traços no Nordeste. A própria “cozinha baiana” é também chamada de “cozinha de azeite” em referência ao azeite de dendê, ingrediente básico destes povos. O azeite-de-dendê é obtido através do fruto da palmácea Elaeis guineenses, palmeira de origem africana que foi introduzida no Brasil no inicio do século XVII e a partir daí, aclimatou-se por todo Nordeste. O azeite da polpa desta palmeira definiu a participação africana no sistema alimentar do brasileiro.

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Assim como o dendezeiro, os coqueirais também não existiam por aqui, foram trazidos da África, e adaptaram-se tanto à paisagem quanto à cultura desta região. Pode-se dizer que coco, dendê e pimenta-malagueta formam o trio básico desta culinária com uma variedade de pratos que levam estes três temperos. A irresistível moqueca baiana é o mais clássico exemplo disso. E apesar de as pimentas por aqui usadas, já pelos índios brasileiros, terem origem americana, foi a utilização delas pela cozinha africana do Brasil que as popularizou e marcou mais esta influência culinária.

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Como havia de ser, na Bahia, ao final do século XVIII começava a se organizar o sistema religioso dos escravos. Passaram a surgir, entre escravos e libertos, as classes sacerdotais que criavam um novo modelo de organização social, as comunidades religiosas do candomblés, os terreiros e a família-de-santo.

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Juntamente com a religião fortemente ritualística surgiram os sacrifícios e as oferendas, que viriam a ser chamadas de “cozinha dos deuses”. Neste período destacou-se a cozinheira escrava que ofertava aos seus santos a comida que cozinhava na senzala, trocando e conhecendo os novos ingredientes que aqui encontrava e apresentando à cozinha da casa grande aqueles vindos da África, que já tão bem conhecia, como o inhame, o dendê e a banana cozida.

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Atualmente, nos restaurantes turísticos, ainda se encontram as comidas dos santos, curiosamente chamadas de “típicas”, e constituem as opções mais caras dos cardápios circulantes pela Bahia.

Nos dizeres de Lima

“Os santos africanos comiam a comida dos homens. Hoje, os homens comem a comida estilizada dos santos.”

E ai, vai um acarajé? Axé!

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